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17 de ago. de 2013

CONTO: Verso de uma fotografia antiga.


VERSO DE UMA FOTOGRAFIA ANTIGA

Escrito em letras miúdas, na parte de trás de uma fotografia 15×21 antiga.

“Felipe;

Escrevo sem saber quando, ou se você lerá. De qualquer jeito, aqui eu digo tudo que sei que preciso.
Quando, aos dezesseis anos, você veio até mim e sua mãe e assumiu sua homossexualidade, reagi da pior maneira possível. Quase quatro anos depois, ainda não tive coragem de te pedir desculpas. Espero que um dia eu tenha, e que isso que lhe escrevo seja apenas redundância. Mesmo não acreditando que seja possível, gostaria de lhe explicar o por que.


Junto a mim nessa foto esta Felipe Alves Costa. Nós nos conhecemos em 1964, no colégio que estudávamos em São Simão. Ele foi o melhor amigo de sua mãe, e o homem que eu amava. Imagino a sua surpresa.

Eram tempos terríveis. Não basta a vergonha sem sentido que eu sentia por amar alguém, havia medo em todo lugar. Mas acredite ou não, éramos felizes. Se não fossemos, não teria colocado o nome dele em ti, que é a melhor coisa que já me aconteceu. Foram sete anos de luta, que eu bem queria esquecer. Mas não consigo pelo ponto final.

Um dia fomos pegos. Separaram Felipe e eu, e sofri com coisas que eu não posso descrever. No último dia que passei preso, perguntaram a mim se ele era meu namorado. Com medo, respondi que não.
Nunca mais o vi. Ainda penso que ele deve ter sido homem o bastante para admitir o que éramos. Quando voltei para minha cidade, reencontrei sua mãe. Descobri que ela passou pelos mesmos horrores que eu. Contei sobre Felipe. Nos tornamos melhores amigos.

Nos casamos. Ela nunca conseguiu se envolver com ninguém. Nós o fizemos e o criamos, e desde os seus seis anos eu sabia que você era como eu. De algum jeito eu achava que era minha culpa, e não conseguia aceitar.

Você teve coragem de me dizer o que eu nunca tive. O que fiz foi porque temia que um dia você passasse pelo mesmo que eu. Não conseguiria aguentar mais isso. Apesar do silêncio, acredite, eu te amo demais.
Só espero que você me entenda.
Apesar de tudo, seu pai.
Gomes. 21/04/2010.”

Felipe encontrou o verso dessa fotografia em 27 de Julho de 2013, enquanto arrumava as coisas do pai após o seu velório. Havia sete anos que os dois não se falavam.

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